ORGANIZAÇÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO,
PRODUÇÃO E TECNOLOGIAS APROPRIADAS: O CASO DO PARQUE NACIONAL
DO JAÚ - AMAZONAS.
Iranildo Cursino Siqueira 1
Francileide Moreira de Lima Bindá 2
Luiz Fernando de Souza Santos 3
Maria Jasylene Pena de Abreu 4
Ao surgir, no início da década de 90, no cenário
amazônico tendo como missão a consolidação
de unidades de conservação (UC's) na Bacia do Rio Negro,
a Fundação Vitória Amazônica (FVA), uma organização
não-governamental conservacionista, apresenta a necessidade de
uma concepção alternativa no que tange à criação
e consolidação de UC's na região. O esforço
para a proteção ambiental, esteve também articulado
com uma proposta de envolvimento dos grupos sociais locais, garantindo
assim, um processo participativo nas tomadas de decisão referentes
ao Parque Nacional do Jaú (PNJ). A experiência da FVA tem
se consolidado a partir de ações como: o fortalecimento
da organização social; a capacitação e formação
de professores e lideranças comunitárias através
de cursos, reuniões comunitárias, encontros e seminários;
o aprofundamento de informações aos envolvidos sobre o
uso sustentável dos recursos naturais; a potencialização
de atividades produtivas e sustentáveis.
Palavras chaves: Organização Social; Educação;
Tecnologia Apropriadas
SOCIAL ORGANIZATION, EDUCATION, PRODUCTION AND PROPER TECHNOLOGIES: The
CASE OF THE NATIONAL PARK OF JAÚ - Amazonas
At the beginning of the 90's decade, when arising in the amazon scenery
having as mission the consolidation of the preservation units in the Rio
Negro basin, the Vitória Amazônica Foundation (FVA), conservationist
non government organization, introduces the need of an alternative conception
refering tolls to the creation and consolidation of the preservation unit
in the region. The effort for the environmental protection, was also articulated
with an participave proposal of the locals social groups, giving warranty
this way, a participative process in the outlets of referring decision
to Jaú's National Park (PNJ). FVA's experience has consolidated
starting from actions like: the strengtened of the social organization;
the training and teachers formation and commmunity leaders, through courses,
local meetings, seminars, improvement of information about the sustainable
use of the natural resources; the potencial use of productive and sustainable
activities.
Key Words: Social Organization; Education; Production and Proper
Technologies.
Aporte teórico e metodológico dos trabalhos desenvolvidos:
Buscando a proposição de um modelo inovador para a proteção
do meio ambiente na Bacia do Rio Negro, a FVA definiu conservação
como o direito intrínseco de cada espécie de existir e evoluir,
inclusive o homem. Isto significa dizer que, do mesmo modo que é
necessária a definição de metodologias adequadas
para a consolidação de UCs, estas não podem estar
descoladas do desenvolvimento de estratégia de fortalecimento das
organizações dos agentes sociais locais para um manejo dos
recursos naturais. Esta postura permite considerar as especificidades
culturais múltiplas da região, as inter-relações
menos ocidentalizadas que se colocam entre o homem. Emerge, daí,
uma relação não mais instrumental, do tipo sujeito/objeto,
mas um modelo menos autoritário e excludente, gerado numa relação
sujeito/sujeito.
Falar desta relação sujeito/sujeito significa dizer que
a representação que têm os agentes sociais locais
da realidade não é mais nem menos profunda que a representação
feita pelo discurso científico ou ideológico. Nos dizeres
de Geertz (1998), estamos diante de um sistema cultural que, como outros
sistemas culturais, possui a convicção no valor e na validade
de seus argumentos. E mais: a autoridade deste sistema cultural é
o próprio mundo. Seus argumentos baseiam-se na vida como um todo,
é “uma sabedoria coloquial, com pés no chão,
que julga ou avalia esta realidade (p.115)”.
Este sistema cultural é o que se chama de senso comum, e que conforme
Geertz se relaciona com “um desejo de tornar o mundo diferente (p.
118)”. Um outro nome a ser dado, ou O NOME do senso comum é
bom senso, posto que “é capaz de lidar com os problemas cotidianos,
de uma forma cotidiana, e com alguma eficácia (p. 115)”,
ou ainda, “representa o mundo como um mundo familiar, que todos
podem e devem reconhecer; e onde todos são, ou deveriam ser, independentes”
{p.139).
Além dessa abordagem teórico-metodológica, a FVA
inclui em seus trabalhos a perspectiva da categoria gênero como
um substrato a mais para entender as relações sociais, históricas
e culturais na qual estão envolvidos os sujeitos com os quais trabalha.
Usar essa categoria nas abordagens de trabalho permite pensar homens e
mulheres como produtos de uma construção social e cultural,
enfatizando o aspecto relacional em que se engendram historicamente masculinidade
e feminilidade.
A FVA e os trabalhos desenvolvidos no PNJ:
Trabalhos iniciais:
Tendo como pano de fundo a metodologia exposta acima e a observação
em relação à temática gênero, a FVA
desenvolveu e desenvolve seus trabalhos no PNJ.
Num primeiro momento, a FVA elaborou e implementou um projeto junto às
comunidades residentes no Parque, o Projeto Comunitário (1995),
com o objetivo de estimular os moradores existentes na área interna
do PNJ a participarem da elaboração e da execução
do Plano de Manejo local, trabalhando de modo a compatibilizar orientações
técnico-científicas com os conhecimentos e saberes do público
envolvido.
No aspecto organizativo, têm destaque os encontros de representantes
do conjunto das comunidades para discutir o Plano de Manejo, o zoneamento
da área e condições de fortalecimento orgânico
das coletividades que representam.
Na área da educação, as contribuições
da FVA vão desde o apoio à construção e ao
funcionamento da escola e aplicação de formulários
sobre a política de educação desenvolvida pelas prefeituras
(Novo Airão e Barcelos) no Parque, até entrevistas com professores
locais sobre a prática educativa, atendendo a demanda da elaboração
do Plano de Manejo. Igualmente relevantes foram o intercâmbio de
experiências entre os professores do Parque e os de outras realidades
e a realização de cursos a partir das necessidades dos professores,
combinadas com as especificidades do Parque.
Na área de produção e extensão rural, foram
realizados: a) inventário das culturas tradicionalmente mais utilizadas
nos quintais e roçados. Esse levantamento mostrou que os agentes
sociais locais cultivam mais de 38 espécies de manivas; b) expedições
no âmbito do parque para troca de informações agrícolas;
c) elaboração dos croquis de todos os plantios dos moradores
da área.
Para identificar o uso dos recursos naturais pela população
tradicional foram organizadas expedições diferenciadas dentro
do parque e realizadas reuniões em localidades estrategicamente
definidas para conhecer as técnicas de manejo tradicional da população,
mapear as áreas de uso dos recursos por unidade familiar, identificar
áreas territoriais, quantificar as produções e promover
discussões sobre a questão fundiária e o Plano de
Manejo, contribuindo de forma importante para aprofundar o conhecimento
sobre o parque e definir o zoneamento do mesmo.
Como resultado deste primeiro momento de trabalho pode-se apontar a participação
comunitária na elaboração do plano de manejo; desencadeamento
de um processo de reconhecimento da representatividade das lideranças
dentro e fora do âmbito de suas comunidades; capacitação
dos professores da área; explicitação das relações
econômicas que ocorrem no parque; georeferenciamento dos principais
lagos e igarapés utilizados pelas populações do PNJ;
elaboração de mapas de uso individual e coletivo de recursos
naturais. Além desses resultados, podemos dizer que o trabalho
serviu de aporte para a implementação de novos trabalhos
e à continuidade dos já iniciados.
Trabalhos atuais:
O trabalho desenvolvido na área de Organização Social
visa o fortalecimento da organização dos moradores, seja
esta em comunidades ou associações, respeitando de forma
sistemática e pedagógica a dinâmica de cada localidade
com as quais se trabalha.
Neste sentido, foram realizados: a) encontros com moradores do PNJ para
debater o que é e qual o papel de lideranças num contexto
comunitário e o uso das organizações formais como
ferramenta num contexto de luta em defesa dos interesses dos agentes sociais;
b) realização de oficinas de planejamento participativo
nas comunidades, para identificar problemas locais e possíveis
soluções; c) reuniões comunitárias para discutir
os mais diversificados temas como: constituição formal de
associações, elaboração de estatuto, resolução
de conflitos, curso sobre o uso de plantas medicinais, permacultura, alternativas
econômicas, entre outros.
O trabalho realizado na área de Educação mostrou
que no meio rural a situação de escolarização
e a deficiência do processo ensino-aprendizagem são condicionadas
por várias determinantes, quais sejam: a) não correspondência
com as demandas locais; b) métodos e conteúdos de ensino
caracterizam a educação voltada para o meio urbano, transposta
de modo mecânico para o contexto rural; c) calendário escolar
incompatível com as características da produção
local; d) problemas de evasão e de repetição ainda
mais graves do que aqueles existentes no meio urbano, com elevado nível
de analfabetismo; e) extensa dicotomia entre educação formal
e escassos programas não-formais destinados ao contexto rural;
f) formação deficiente dos professores e o nível
salarial muito baixo; g) falta de vínculo entre escola e comunidade.
Neste sentido, a FVA deu início ao desenvolvimento de um programa
de formação continuada de professores rurais, buscando promover
a interação entre os conteúdos curriculares trabalhados
na escola e o saber acumulado historicamente pelo aluno/comunidade.
Outro aspecto também considerado na formulação da
proposta de ação do programa foi o reconhecimento do importante
papel que o professor exerce na comunidade, onde em muitos casos suas
funções freqüentemente extrapolam os limites das atividades
escolares. Essa representatividade é legitimada pelos comunitários,
não apenas pelo saber que o professor possui, mas principalmente
pelo compromisso e pela relação de afetividade que ele estabelece
com a comunidade. Neste programa, procura-se trabalhar a formação
dos professores de forma articulada, contemplando as várias dimensões
(sociais, econômicas, políticas e culturais) subjacentes
a este processo. O trabalho em parceria com as Secretarias de Educação
dos Municípios de Novo Airão e Barcelos é um aspecto
bastante positivo para a efetivação desta proposta; instituições
que também trabalham na área de educação como
o Centro dos Trabalhadores da Amazônia/AC (CTA); comunidades rurais,
professores; e prefeituras, abrirão espaço para a construção
de um diálogo mais amplo e participativo, contribuindo dessa forma
para uma maior aproximação entre os interesses da escola
e da sociedade.
Os trabalhos realizados na Produção Agrícola deram
um panorama geral para FVA sobre as roças, o uso dos recursos e
os problemas que os moradores do PNJ enfrentavam. Sabemos que falar da
agricultura familiar na Amazônia é expor principalmente as
dificuldades que os produtores enfrentam na hora de plantar, colher e
escoar produção. Os moradores de uma Unidade de Conservação
de uso indireto, como é o caso dos moradores do Parque Nacional
do Jaú, além de sofrerem restrições na prática
de suas tradicionais atividades, ainda encontram dificuldades para escoar
a produção e adquirir produtos manufaturados, dos produtos
resulta da condição de empobrecimento material dos grupos
domésticos, como a falta de equipamentos que possibilitem o beneficiamento
dos produtos como a farinha, o cipó e a banana, entre outros.
A partir da identificação das referidas dificuldades e na
busca de alternativas para a melhoria da qualidade de vida dos moradores
do PNJ, a FVA iniciou a experiência com o cevaciclo . Esse equipamento
ao ser utilizado na produção de farinha oferece baixíssimo
impacto ambiental, fácil manuseio, além de ter um custo
acessível para os padrões econômicos dos grupos sociais
residentes no PNJ.
Para monitorar as possibilidades de adoção da tecnologia,
ou seja, sua compatibilidade para o contexto local, o primeiro equipamento
foi implantado na comunidade de Lázaro, no Rio Jaú, onde
os moradores beneficiavam a farinha no ralo, fazendo com que o trabalho
fosse demorado, com riscos de ferimentos nas mãos e a farinha não
alcançava uma boa qualidade. Assim, foi discutida com as famílias
a possibilidade de viabilizar a implementação do cevaciclo
na comunidade. A proposta foi aceita e o passo seguinte foi fazer os acordos
sobre custo, forma de pagamento, número de famílias interessadas
na experiência, data para iniciar o processo de uso e monitoramento
do equipamento. O uso do equipamento na comunidade despertou o interesse
de outros moradores, o que levou a FVA a instalar 8 cevaciclos em outras
localidades do PNJ. Vale ressaltar que nos locais onde o equipamento foi
colocado existe motor de cevar mandioca, que para funcionar precisa de
combustível. Mesmo assim, os moradores aceitaram a proposta de
fazer a experiência, pois segundo depoimentos, nem todas as vezes
eles dispõem de dinheiro para comprar o combustível para
fazer funcionar o motor.
O monitoramento desta experiência permite dizer que: a) a facilidade
em manusear o equipamento possibilita o seu uso por todos os membros da
família, inclusive por crianças. Portanto, propiciou a ampliação
da participação de todos os membros das famílias
que se revezam no processo produtivo; b) o equipamento representa uma
economia para os grupos domésticos, uma vez que não depende
de combustível para seu funcionamento; c) o cevaciclo não
gera emissão de gases poluentes, como no uso de motores a base
de óleo diesel para cevar a mandioca; d) o cevaciclo propiciou
espaços para reflexão sobre a importância do PNJ e
da participação dos grupos sociais da área na consolidação
do mesmo; e) com o tempo excedente, os moradores passaram a praticar outras
atividades como pescar, plantar, capinar a roça, e ainda sobra
mais tempo para o descanso; f) o equipamento não influenciou no
aumento da área de roçado; g) a massa cevada com o cevaciclo
tem uma qualidade muito superior à massa cevada no ralo, gerando
melhoria na qualidade da farinha.
O uso do cevaciclo, além de servir para beneficiar a produção
de farinha foi empregado pelos agentes sociais locais para outros fins,
como carregar baterias, utilizadas para pescar à noite, ouvir rádio
e fazer festas nos finais de semana.
Outra tecnologia apropriada levada aos agentes sociais do PNJ foram kits
de energia solar, em função de um levantamento realizado
junto aos grupos domésticos, que apontou o alto custo mensal gastos
com pilhas, óleo diesel e carregamento de baterias. Essas informações
permitiram fazer uma comparação de gastos apontando a viabilidade
da implantação de um sistema de energia solar por grupo
familiar.
O acompanhamento do processo de instalação e do funcionamento
dos equipamentos e o depoimento das famílias contempladas com os
kits de energia solar nos permitem afirmar que sistemas como esses são
viáveis, de fácil manutenção e manuseio além
de permitir que a população tenha acesso a determinados
benefícios, tais como: a) utilização de equipamentos
eletro eletrônico; b) aulas noturnas para adultos; c) possibilidade
de atividades extras noturnas.
Assim, podemos dizer que o investimento em tecnologias apropriadas vem
contribuindo para melhoria da qualidade de vida de agentes sociais rurais,
porém não podemos esquecer que investimentos como esses
ainda não fazem parte dos planos governamentais e poucas são
as pessoas que se beneficiam.
Considerações finais:
O bom senso dos agentes sociais se expressa quando manifestam interesses
por melhores condições de vida, por mais informação
no campo acadêmico ou identificam problemas locais como: falta de
alternativas econômicas; situação difícil da
saúde e da educação; descaso com a zona rural e ameaça
de extinção de determinadas espécies da fauna regional.
Diante disto, o desafio que se coloca para a FVA na busca por compreender
o bom senso dos agentes sociais do PNJ, é menos a identificação
da melhor técnica para compreender o sentido subjetivo de seus
argumentos ou analisar as condições objetivas de sua existência,
e mais uma disposição para aprender a ouvir o que é
dito e a partir disto conjuntamente, analisar os problemas e buscar as
soluções.
Podemos dizer que este trabalho se inscreve naquilo que Alier tem identificado
como preocupações dos “movimentos sociais dos pobres”,
que trazem imanente às suas lutas cotidianas uma percepção
ecológica peculiar, se configurando em movimentos ecológicos
“porquanto seus objetivos são as necessidades ecológicas
para a vida: energia (as calorias da comida para cozinhar e aquecer),
água e ar limpos, espaços para abrigar-se. Também
são movimentos ecológicos porque habitualmente tratam de
manter ou devolver os recursos naturais à economia ecológica,
fora do sistema de mercado generalizado, de valoração crematística,
da racionalidade mercantil, o que contribui para a conservação
dos recursos naturais já que os mercado os infravalora” (Alier,
1998, p. 37).
Referência Bibliográfica:
ABREU, M. J. P.; “Modos de vida, Gênero, Gerações
e Meio Ambiente no Parque Nacional do Jaú/Amazonas” Dissertação
de Mestrado em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina. UFSC.
ALIER, Joan Martínez; “Da Economia Ecológica ao Ecologismo
Popular”. Blumenau: Ed. da FURB, 1998.
FVA; “Gênese de um Plano de Manejo. O caso do Parque Nacional
do Jaú. Manaus. FVA.
GEERTZ, Clifford; “O Saber Local”. Petrópolis: Editora
Vozes, 1998.
OLIVEIRA, R. e ANDERSON, E. S; “ Gênero, Conservação
e Participação Comunitária: O caso do Parque Nacional
do Jaú. Junho/1999. MERGE
SARAGOUSSI e et al; “Mapeamento Participativo: Realidade ou Ficção?
A experiência do Parque Nacional do Jaú”. Trabalho
apresentado no 48 th Annual Conference – Center for Latin Americam
Studies – University of Florida.
1 Pesquisador-técnico da Fundação
Vitória amazônica. E-amil: iranildo@fva.org.br.
2Pesquisadora-técnica da Fundação
Vitória amazônica. E-amil: joia@fva.org.br.
3 Pesquisador-técnico da Fundação
Vitória amazônica. E-amil:
luiz@fva.org.br.
4 Pesquisadora-técnica
da Fundação Vitória amazônica. E-amil: jasy@fva.org.br.
OBS: o endereço é o mesmo para todos os pesquisadores/as:
Rua: R/S; Q: Q; casa 7. Conj. Morada do Sol - Aleixo. CEP: 69060-080 -
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