POTENCIAL BIO-ECONÔMICO DAS LEGUMINOSAS OCORRENTES EM UMA ÁREA DE VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA NA AMAZÔNIA CENTRAL

Luiz Augusto Gomes de Souza1
Marlene Freitas da Silva1
Lúcia Helena Pinheiro Martins2

INTRODUÇÃO

A diversidade em espécies de leguminosas na Amazônia tem sido destacada por diversas pesquisas feitas na região (Le Cointe, 1947; Ducke, 1949; Silva et al., 1989), e esta família tem se evidenciado na maioria dos inventários florísticos desenvolvidos, apresentando ampla distribuição e abundância em matas primárias de terra firme, igapós, várzeas, campinaranas, savanas e áreas alteradas pelos mais diferentes processos de exploração e ocupação.
A ocupação gradual da região amazônica e o avanço de projetos de desenvolvimento econômico, produzem cada vez mais áreas abertas, fruto da intervenção humana em atividades como a agricultura, mineração, abertura de estradas, etc. Essa situação permite o incremento progressivo de áreas desflorestadas que, quando abandonadas, são ocupadas por vegetação secundária, passo indispensável em seu processo de recuperação que pode se alongar por alguns anos. Muitas destas áreas não têm valor econômico e perdem seu potencial produtivo.
As plantas que crescem em áreas secundárias, podem ser classificadas como ruderais, invasoras ou subespontâneas (Rizzini, 1997). As ruderais são as que vivem em sítios ligados aos habitats humanos, terrenos baldios, caminhos, estradas, ruas, jardins, etc. Entre estas espécies predominam plantas anuais, geralmente providas de excelentes recursos de dispersão como sementes pequenas, leves, aladas, com ganchos, etc., com ampla distribuição nas áreas tropicais. As plantas daninhas invadem, habitualmente, as terras de cultura, vindo a competir com as espécies cultivadas e causando prejuízos ao homem. Por outro lado, são consideradas plantas subespontâneas aquelas que são oriundas de outras terras e se instalam num dado país ou região sem interferência deliberada do homem. Várias espécies se enquadram em mais de uma destas categorias, porém, na vegetação colonizadora de áreas desmatadas, muitas vezes também encontramos espécies remanescentes dos ambientes originais.
A perda do valor produtivo e econômico de áreas desmatadas é um problema grave por implicar no desmatamento de novas áreas com fins produtivos. Entretanto, inúmeras espécies que colonizam as áreas desmatadas têm algum potencial bio-econômico que merece mais estudos que justifiquem um melhor aproveitamento e exploração destes recursos.
Este trabalho teve como objetivos identificar as leguminosas presentes em uma área de mata secundária da Amazônia Central e reunir subsídios sobre as espécies, sua distribuição geográfica e uso potencial.

MATERIAL & MÉTODOS

Foi conduzido um levantamento das leguminosas ocorrentes em uma área de mata secundária na Amazônia Central, na Estação Experimental de Olericultura do INPA, localizada na rodovia AM 010, Km 14 (03º 8'Sul de latitude e 60º 01' W. Gr. de longitude), com altitude de 72 metros acima do nível do mar, sob clima do tipo Afi, segundo Köppen. A área escolhida, de cerca de 10 hectares, encontra-se com a paisagem alterada, recoberta por mosaicos de vegetação secundária, áreas abertas recobertas por gramíneas e outras herbáceas, remanescentes da floresta natural de campinarana desenvolvida em solo arenoso e tem sido ocupada nos últimos anos com o cultivo de hortaliças, fruteiras e plantas medicinais e ornamentais, dentre outros.
O solo que recobre a área foi classificado como Podzólico Vermelho Amarelo, com áreas transicionais abruptas para solo Podzol, recoberto por vegetação remanescente da mata de campinarana. Na área de topo, sua textura é mais argilosa. A vegetação secundária que repovoou o local é do tipo arbustivo-arbórea, rala, encontrando-se solo descoberto em alguns pontos. Pode-se considerar o ambiente local - excetuando-se as áreas de cultivo, cuja capacidade de produção é mantida com a reposição de adubos químicos minerais - como degradado, em lento processo de recuperação e repovoamento vegetativo.
Os trabalhos de coleta e identificação das leguminosas consistiram em visitas regulares ao local, feitas nos anos de 1994 a 1996, identificando-se na área plantas em fase de floração e/ou frutificação. Foram preparadas exsicatas botânicas das espécies durante as atividades de coleta e a identificação foi conduzida no herbário do INPA por comparação com material já classificado.
Às informações reunidas foram acrescidas de dados taxonômicos das espécies, sua distribuição geográfica e potencial de utilização.

RESULTADOS & DISCUSSÃO

Foram registradas para a área a ocorrência de 17 espécies de Leguminosae (sensu latu), distribuídas nas três sub-famílias, sendo 7 Papilionoideae, 7 Mimosoideae e 3 Caesalpinioideae (Tabela 1). Dentre estas espécies as tribos mais numerosas foram Phaseoleae, Eumimoseae e Cassieae, com 3 espécies cada. O hábito de crescimento das espécies variou de árvores (pequenas, médianas e grandes), ervas, arbustos e lianas. O habitat preferencial das espécies foi principalmente as áreas abertas, comprovando o comportamento ruderal de muitas leguminosas herbáceas e arbustivas. Quatro espécies estavam na capoeira, uma foi cultivada, e três estavam presente nos fragmentos de mata que ocorrem na área de estudo.
Várias leguminosas registradas na área estudada têm distribuição pantropical, ou seja ocorre nos trópicos de todo o mundo, tais como Abrus precatorius, Mimosa pudica, Senna obtusifolia, etc. (Tabela 2), formando um grupamento de espécies de colonização subespontânea. Entretanto também verificou-se a presença de plantas endêmicas da Amazônia, como Pithecellobium arenarium, espécie registrada somente para o estado do Amazonas, e de outras distribuídas somente na América do Sul como Senna tapajosensis e Stryphnodendron guianense.
Quanto ao uso, muitas espécies apresentam múltiplo aproveitamento, existindo aquelas aproveitadas pela qualidade de sua madeira como Dipteryx odorata, o cumaru, aproveitada para inúmeros fins, cujas sementes são comestíveis e procuradas por roedores e marsupiais são comercializadas para as indústrias de alimentos, cosméticos e perfumaria pela presença de cumarina (Lorenzi, 1998). Dentre as espécies com potencial produção de lenha e carvão presentes na área de estudo estão Ormosia discolor e Stryphnodendron guianense. para uso medicinal (Abrus precatorius, Senna obtusifolia, Senna occidentalis), apicultura (Mimosa pudica), artesanato ou ornamental (Senna tapajozensis), ou como alimento (Inga macrophylla).

Tabela 2. Distribuição geográfica na Amazônia Brasileira e extra amazônica das leguminosas encontradas em uma área de vegetação secundária da Amazônia Central.

ESPÉCIES
AMAZÔNIA BRASILEIRA
EXTRA AMAZÔNICAS
Abrus precatorius
AM, RO, RR e PA
África, Ásia, Oceania, Caribe, América do Norte, Central e do Sul, Oceano Índico e Pacífico
Calopogonium mucunoides
AM, RO, PA, RR, AP
África, Ásia, Oceania, Caribe, América Central e do Sul, Oceano Pacífico e Índico
Centrosema brasilianum
AM, PA, AP, AC, RR
Oceania, Caribe, Oceano Índico, América do Sul
Dipteryx odorata
RO, PA, AM, AP, AC
América do Sul, Oceano Índico e Pacífico
Entada polyphylla
AM, AC, PA, AP
Caribe e América do Sul
Inga macrophylla
AM, AC, PA, RO
América do Sul
Mimosa debilis
AM, RR, RO, PA
América do Sul
Mimosa pudica
AM, RO, PA, RR
África, Ásia, Oceania, Caribe, América Central, do Norte e do Sul, Oceano Índico e Oceano Pacífico
Mimosa quadrivalvis
AM, RR, PA
África, Caribe, América Central e do Sul
Ormosia discolor
AM, RR, AP
América do Sul
Pithecellobium arenarium
AM
América do Sul
Pueraria phaseoloides
AM, PA, AP, RO, RR
África, Ásia, Oceania, Caribe, América Central e do Sul, Oceano Índico e Oceano Pacífico
Senna obtusifolia
PA, RO, AC, AP, RR, AM
África, Ásia, Oceania, Caribe, Oceano Índico e Pacífico, América do Norte, Central e do Sul
Senna occidentalis
AC, AM, PA, RR, RO
África, Ásia, América Central e do Sul, Caribe, Oceano Índico e Pacífico
Senna tapajozensis
AP, RR, AM, AC, PA, RO
América do Sul
Stryphnodendron guianense
AM, PA, RO, AC
América do Sul
Zornia latifolia
AP, AC, AM, RO, RR, PA
África, América do Sul

Boa parte das espécies das áreas abertas apresenta potencial de aproveitamento como adubo verde na agricultura tradicional (Calopogonium mucunoides, Pueraria phaseoloides) ou como forragem para uso animal (Zornia latifolia, Centrosema brasilianum). Algumas destas espécies que ocorrem espontâneamente na área tem suas sementes comercializadas mundialmente com este fim. Um dos fatores que contribuem para a valoração destas espécies é a habilidade nodulífera e fixadora de nitrogênio, característica importante desenvolvida pelas leguminosas. Na Estação Experimental de Olericultura, das 17 leguminosas encontradas, 13 delas são nodulíferas e fixadoras de nitrogênio.
O interesse melífero das espécies também pode ser ressaltado, especialmente para as três ervas do gênero Mimosa. Carreira et al., 1986, ao efetuar a análise polínica dos méis de municípios paraenses verificou que em uma amostra procedente de Belém, 78,0% do pólen era procedente de Mimosa pudica, o que revela o potencial elevado desta espécie para a apicultura, especialmente por produzir flores em abundância durante todo o ano.
Por fim constatou-se a presença de espécies potencialmente venenosas como Abrus precatorius, cujas sementes são tóxicas a bovinos e animais ruminantes em geral, por possuir uma proteína tóxica a abrina (Brito et al., 1996), que pode matar os animais quando ingeridas inadvertidamente se presentes nas pastagens. Aspectos ornamentais das espécies também podem ser ressaltados, e tanto as sementes de Abrus precatorius como as de Ormosia discolor são amplamente utilizadas em peças de artesanato popular pelo seu brilho e colorido destacado.

CONCLUSÕES

Matas secundárias com formações vegetais em áreas abertas e capoeiras na região da Amazônia Central, abrigam uma diversidade de espécie que precisa ser melhor investigada para definir seu potencial de aproveitamento. Neste estudo 17 espécies de leguminosas foram encontradas no local, a maior parte ervas colonizadoras de áreas abertas, mas também árvores remanescentes nos fragmentos de mata. Algumas espécies apresentam distribuição em vários continentes e têm comportamento cosmopolita. Outras são restritas à América do Sul. Quanto ao uso e aproveitamento as espécies revelaram múltiplo uso existindo espécies madeireiras, medicinais, adubos verdes, forrageiras, para uso apícola, produção de lenha e carvão, artesanato e produção de substâncias bioativas de interesse industrial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRITO, M.F.; ARMIÉN, A.G. & TOKARNIA, C.H. 1996. Intoxicação experimental de sementes de Abrus precatorius (Leg. Papilionoideae) em ovinos. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 16 (2/3): 59-66.
CARREIRA, L.M.M.; JARDIM, M.A.G.; MOURA, C.O.; PONTES, MA.A.O. & MARQUES, R.V. 1986. Análise polínica nos méis de alguns municípios do estado do Pará. SIMPÓSIO DO TRÓPICO ÚMIDO, 1., Belém, EMBRAPA-CPATU, p. 79-84.
DUCKE, A. 1949. Notas sobre a flora neotrópica - II As leguminosas da Amazônia Brasileira. Boletim Técnico do IAN, Nº 18, Belém, 249p.
LE COINTE, P. 1947. Amazônia Brasileira - III Árvores e plantas úteis (indígenas e aclimatadas). Col. Brasiliana, série 5, v. 251, Ed. Nacional, Rio de Janeiro, 506p. São Paulo, Editora Nacional, 2a edição, 506p.
LORENZI, H. 1998. Árvores brasileiras - Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Editora Plantarum, Nova Odessa, v. 2, 352p.
RIZZINI, C.T. 1997. Tratado de fitogeografia do Brasil: aspectos ecológicos, sociológicos e florísticos. Âmbito Cultural Edições Ltda, 747p.
SILVA, M.F.; CARREIRA, L.M.M.; TAVARES, A.S.; RIBEIRO, I.C.; JARDIM, M.A.G.; LOBO, M.G.A. & OLIVEIRA, J.O. 1989. As leguminosas da Amazônia Brasileira. Lista prévia. Acta Botânica Brasílica, v. 2 (1): 193-237.

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