UTILIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE RECURSOS GENÉTICOS DE ESPÉCIES HORTÍCOLAS, FRUTÍFERAS E MEDICINAIS POR COMUNIDADES DO ALTO SOLIMÕES

Charles Roland Clement1, Luciano de Bem Bianchetti2, Ivo Roberto Sias Costa2, Eduardo Lleras Pérez3, Katia Calago Althoff4, Danilo Dourado de Araújo4, Ronaldo de Lima Ramos4, Agustín Gonsales Coral4, Gislene Almeida Carvalho4, Quésia do Rosário Reis4 e João Ângelo Cristina Basto4

1 - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia; 2 - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia; 3 - Embrapa Amazônia Ocidental; 4 - alunos do curso "Manejo da diversidade e recursos genéticos vegetais da Amazônia", GENAMAZ/SUDAM, Embrapa Amazônia Ocidental, INPA, Univ. Amazonas.

Introdução

Os médio e alto Rio Amazonas foram propostos como um centro de diversidade de cultivos agrícolas nativas da Amazônia e das Américas (Clement, 1999b). Após a conquista europeia, este centro sofreu erosão genética significante, causada pela decimação da população indígena por doenças, guerra e missionização (Clement, 1999a). A etnobotânica desta região é menos conhecida que a da região dos Rios Solimões e Negro, por exemplo. O objetivo deste estudo foi levantar os recursos genéticos das espécies hortícolas, frutíferas, medicinais e ornamentais usadas e conservadas pelas populações tradicionais e urbanas do Alto Rio Amazonas, no estado do Amazonas, Brasil.

Metodologia

O grupo visitou o alto rio Amazonas em março de 2001, executando levantamentos qualitativos (presença / ausença) de hortaliças, plantas medicinais e ornamentais, e quantitativos (contagem) de fruteiras em comunidades de produtores rurais tradicionais de Santa Luzia (Paraná do Amataí, rio Amazonas, Urucará; 3 propriedades), São Lázaro (estuário do rio Urucará, Urucará; 2 prop.), Santa Maria (baía do Uatumã, Itapiranga; 2 prop.) e São José Enseada (rio Urubu, Itapiranga; 3 prop.), bem como em 8 quintais urbanos na sede municipal de Silves, Amazonas.

Resultados

Encontrou-se 58 espécies frutíferas, sendo 34 nativas e 24 exóticas (Figura 1). As comunidades da várzea mantém menos espécies (11 nativas e 12 exóticas) que as comunidades da terra firme (19 nativas e 12 exóticas), enquanto que o centro urbano apresenta 14 nativas e 17 exóticas. A diferença entre a várzea e a terra firme se deve à adaptação das espécies à inundação anual ou períodica.

Figura 1. Número de fruteiras nativas e exóticas observadas em quatro comunidades do Alto Rio Amazonas e em quintais na sede municipal de Silves, Amazonas.

Entre as fruteiras nativas, graviola, ingá-do-metro e maracuja peroba foram encontradas em todas as comunidades (Tabela 1.A). Entre as fruteiras exóticas, caju, cuia, mamão, abacate, banana, goiaba e côco foram encontradas em todas (Tabela 1.B), sendo que somente banana e côco são exóticas aos Neotrópicos. A banana sempre foi a espécie mais comum no interior, e manga e laranja foram as mais comuns em Silves.

Encontrou-se 28 espécies olerícolas (Tabela 2), sendo chicória e cebolinha as únicas duas que foram encontradas em todas as comunidades. O número de variedades de pimenta picante foi grande (8) nas três espécies típicas da Amazônia. Curiosamente, as propriedades visitadas em uma comunidade não tiveram pimenta, embora este pode ser uma falha da amostragem, já que a pimenta é o condimento mais comum em toda a Amazônia.

Encontrou-se 58 espécies medicinais (Tabela 3), sendo as mais comuns alfavaca, boldo, chicória, hortelã pimenta, jambu, mangarataia ardida e pião roxo. Algumas espécies olerícolas também são usadas como medicinais: jambu alfavaca, chicória, jambu, mangarataia ardida e mangarataia tauá.

Encontrou-se 66 espécies de ornamentais (Tabela 4), com uma média por propriedade de apenas sete espécies. Algumas espécies medicinais são também consideradas ornamentais.

Constatou-se que em todas as comunidades o conhecimento tradicional sobre o uso das plantas está sendo perdido. Esta constatação vale para as espécies nativas de todos os grupos de plantas avaliadas. A comprovação é visto pelo número de espécies exóticas, que excede o número de nativas em Silves e é similar em duas comunidades do interior (Figura 1), bem como por comentários dos proprietários entrevistados.

Referências

Clement, C.R. 1999. 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources. I. The relation between domestication and human population decline {1492 e a perda dos recursos genéticos agrícolas da Amazônia. I. A relação entre domesticação e o declínio da população humana}. Economic Botany, 53(2):188-202.
Clement, C.R. 1999. 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources. II. Crop biogeography at contact {1492 e a perda dos recursos genéticos agrícolas da Amazônia. II. A biogeografia dos cultivos na época de contato}. Economic Botany, 53(2):203-216.