Utilização e conservação de recursos genéticos de espécies madeireiras, seringueira e cacau por comunidades do Alto Amazonas

Eduardo Lleras Pérez 1, Charles Roland Clement2, Ivo Roberto Sias Costa3, Luciano de Bem Bianchetti3, Quésia do Rosário Reis4, João Ângelo Cristina Basto4, Gislene Almeida Carvalho4, Agustín Gonsales Coral4, Ronaldo de Lima Ramos4, Katia Calago Althoff4 e Danilo Dourado de Araújo4


A pesquisa foi realizada a través de observação direta e perguntas não estruturadas por instrutores e alunos do curso "Manejo da diversidade e recursos genéticos vegetais da Amazônia", apoiado pela GENAMAZ/SUDAM, no alto rio Amazonas em março de 2001 nas seguintes comunidades de produtores rurais tradicionais: Santa Luzia, Paraná do Amataí, rio Amazonas, Urucará; São Lázaro; estuário do rio Urucará, Urucará; Santa Maria, baía do Uatumã, Itapiranga e São José Enseada, rio Urubu, Itapiranga, e em quintais urbanos em Silves, Estado do Amazonas (Figura 1).


Figura 1. Área de estudo. Cruzes pretas - locais visitados.
Santa Luzia e São Lázaro são comunidades típicas da várzea, com inundação periódica das áreas cultivadas. Nos últimos anos as enchentes têm sido maiores, o que prejudica as culturas, especialmente a banana e o cacau. As florestas de várzea estão bastante afastadas As outras comunidades ocupam áreas mais altas com águas misturadas ou pretas, com a maioria das culturas em terra firme. Existem manchas de terra preta abandonadas pela impossibilidade de combater as plantas invasoras. As florestas estão mais próximas, mas a maioria das espécies madeireiras úteis foi dizimada.

Seringueira: Existe seringueira em todas as propriedades visitadas na várzea. Em Santa Lúcia existe uma plantação antiga de uns 50 indivíduos com espaçamento de 4 x 6 m. Todas as plantas observadas estavam sadias, sem presença do mal-das-folhas. Todas foram intensamente exploradas no passado, com marcas de corte passando de 6 m. de altura. Atualmente não há exploração, em parte por falta de reposição dos adultos, mas principalmente por que o preço oferecido pela borracha não compensava e a única compradora, que morava em Itacoatiara, "sumiu".

Cacau: Atualmente é a cultura perene mais importante na várzea, consorciado com banana e mandioca. Há introdução contínua de material novo com apoio do IDAM. Foi observada vassoura-de-bruxa em todas as propriedades visitadas, com controle inexistente ou muito precário. Em Santa Lúcia existe uma plantação antiga consorciada com a seringueira, mas embora as plantas pareçam produtivas, não são exploradas, por razões que não pudemos determinar.

Madeireiras: Foram identificadas 57 espécies madeireiras, sete exclusivas à várzea, 31 exclusivas à terra firme e 17 em comum, com duas encontradas somente nas serrarias de Silves (Tabela 1). A exploração madeireira é exclusivamente extrativista. As árvores remanescentes estão demasiado afastadas para extrair como toras e são beneficiadas para tábuas diretamente no local da derruba. O corte é geralmente terceirizado para "madeireiros itinerantes", com 50% da produção como pagamento. A obtenção de informação sobre exploração madeireira é dificultada pelo receio generalizado sobre possíveis represálias legais.
Tabela 1. Espécies madeireiras utilizadas nas diversas comunidades.

Nome vulgar
Nome científico
Família
Várzea
Terra Firme
Silves
Abiurana Pouteira guianensis Sapotaceae
-
X
-
Acaricuara Minquartia guianensis Olacaceae
-
X
X
Amapá Brosimum potabile Moraceae
-
X
-
Amarelinho Pogonophora schomburgkiana Euphorbiaceae
-
X
-
Angelim fava Parkia pendula Mimosaceae
-
X
-
Angelim pedra Dinizia excelsa Fabaceae
-
X
-
Angelim rajado Pithecellobium racemosum Mimosaceae
-
X
X
Breu branco Protium sagotianum Burseraceae
-
X
-
Cajuí Anarcadium giganteum Anacardiaceae
-
X
-
Castanha-de-macaco Couropita guianensis Lecythidaceae
X
-
-
Castanheira Bertholletia excelsa Lecythidaceae
-
X
X
Caxinguba Fícus anthelmintica Moracace
X
-
-
Cedrinho Scleronema micranthum Bombacaceae
X
-
Cedrorana Cedrelinga cateniiformis Mimosaceae
X
-
-
Copaíba Copaífera multijuga Caesalpinaceae
-
X
-
Cumaru Dipteryx odorata Fabaceae
-
X
-
Cupiúba Goupia glabra Celastraceae
-
-
X
Fava Votaireopsis speciosa Fabaceae
-
X
-
Itaúba Mezilaurus itauba Lauraceae
-
X
X
Jacareúba Calophyllum angularis Chrysobalanaceae
X
X
-
Jatobá Hymenaea courbaril Caesalpinaceae
-
X
-
Jutaí pororoca Martiodendron elatum Caesalpinaceae
-
X
-
Louro Mezilaurus sp. Lauraceae
X
X
X
Louro aritu Licaria chrysophylla Lauraceae
-
X
-
Louro chumbo Ocotea fragantissima Lauraceae
-
X
-
Louro faia Roupala montana Lauraceae
-
X
-
Louro jacaré   Lauraceae
X
-
-
Louro rosa Aniba ferrea Lauraceae
X
X
-
Macacaúba Platymiscium duckei Fabaceae
X
-
-
Mucaiba Bombacopsis venosa Bombacaceae
X
-
-
Mangirana Tovomita brevistaminea Clusiaceae
-
X
-
Massaranduba am. Manilkara cavalcantei Sapotaceae
-
X
-
Massaranduba ver. Manilkara huberi Sapotaceae
X
X
-
Muiratinga Perebea guianensis Moraceae
X
-
-
Molongo Ambelania acida Apocynaceae
-
X
X
Muiracatiara Astronium lecontei Anacardiaceae
-
-
X
Mulateiro Calycophyllum spruceanum Rubiaceae
-
-
-
Murapá Simaruba amara Simarubaceae
-
X
-
Paricá Schyzolobium amazonicum Leguminosae
-
X
-
Pau amarelo Euxylophora paraensis Rutaceae
-
X
-
*Pau rosa Aniba roseadora Lauraceae
-
X
-
Piquiá Caryocar villosum Caryocaraceae
-
X
-
Piquiarana Caryocar glabrum Caryocaraceae
-
X
-
Piranheira Piranhea trifoliata  
X
-
-
Preciosa Aniba canellina Lauraceae
-
X
-
Quina-quina Courtea hexandra Rubiaceae
-
X
-
Seringueira Hevea brasiliensis Euphorbiaceae
X
X
-
Sucupira amarela Enterolobium schomburgkii Mimosaceae
-
X
-
Sucupira preta Diplotropis triloba Fabaceae
-
X
-
Sucupira vermelha Andira unifolialata Fabaceae
-
X
-
Sumaúma Ceiba pentandra Bombacaceae
X
-
-
Tachi Sclerolobium crysophyllum Caesalpinaceae
X
-
-
Tauari branco Couratari stellata Lecythidaceae
-
X
-
Tauari vermelho Cariniana micranta Lecythidaceae
-
X
-
Tento Ormosia paraensis Fabaceae
-
X
X
Ucuúba (virola) Virola guggenheimii Myristicaceae
-
X
-
Uchi liso Endopleura uchi Humiriaceae
-
X
-

 

Conclusões

- A maioria das famílias entrevistadas está em uma situação precária. Quase sempre algum membro da família trabalha fora para poderem sobreviver;
- A maioria dos homens possui um grande conhecimento sobre as espécies madeireiras, protegido (geralmente pelas mulheres) com discursos "ambientalistas" de primeiro mundo.
- Especialmente na terra firme, há extração de madeira em parceria com madeireiros itinerantes, no que provavelmente constitui parte importante da renda familiar;
- A seringueira não tem importância nenhuma na economia das famílias, enquanto o cacau é fonte importante de renda para as famílias da várzea.


1- Embrapa Amazônia Ocidental (lleras@cpaa.embrapa.br); 2 - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia; 3 - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia; 4 - alunos do curso.