O patenteamento e a contribuição das populações tradicionais para biodiversidade.


Falar de apropriação intelectual, patenteamento e etnoconhecimento não é tarefa das mais fáceis, tendo em vista as inúmeras discussões que envolvem cada um destes termo. Passar por estes termos e não falar de “populações tradicionais” é desconhecer a relevância de sua contribuição para a biodiversidade. É desconsiderar a importância das populações que por séculos vêm contribuindo para domesticação e melhoramento de espécies, além de modificarem e diversificarem ecossistemas. É deixar de reconhecer a importância “ de gente que não apenas produz conservando estes ecossistemas, mas, sobretudo, colabora para sua diversificação ao longo do tempo e acumula conhecimentos sobre o uso dos recursos”, contribuindo significativamente para nossa vasta biodiversidade. (Senadora Marina da Silva)
É justamente sobre esse conhecimento acumulado das ditas populações tradicionais, que muito tem contribuído para o desenvolvimento biotecnológico que quero me deter. O Brasil é tido como um dos países mais rico em biodiversidade porém, até o momento não tem nenhuma lei aprovada que regularize o acesso a esse tão cobiçado bem, quanto mais leis que protejam o conhecimento acumulado pelas populações tradicionais e transmitido por séculos sobre o uso de determinados bens dessa diversidade.

O que temos hoje de concreto sobre o uso da biodiversidade? Temos uma proposta de lei da Senadora Marina da Silva sobre o uso de nossa biodiversidade, Convenção da Biodiversidade e uma medida provisória do governo de FHC. Na convenção e na lei da Deputada Marina da Silva as questões referentes às populações tradicionais estão contempladas. Quanto a MP do FHC, podemos dizer que as populações tradicionais foram esquecidas, uma vez que nesta medida a biodiversidade é propriedade do Estado cabendo a ele o usufruto dos benefícios. Além desta existem tantas outras arbitrariedades que dispensam comentários neste texto.

A lei da Deputa Marina da Silva, sem sombra de dúvida, é o que temos de mais palpável, pois nela as populações tradicionais estão contempladas, uma vez que, na lei reza que as populações tradicionais devem ser beneficiadas coletivamente por suas tradições e conhecimentos e devem ser compensadas pela conservação dos recursos biológicos e genéticos, seja mediante direitos de propriedades intelectual ou outros mecanismos.

Atualmente, o que temos é muita discussão, quase todos os termos usados no diálogo sobre lei de patente, biodiversidade, propriedade intelectual, populações tradicionais trazem subjacentes interesses que nem sempre estão compatíveis com a nossa realidade. Isto nos leva a uma ausência de ações concretas, um exemplo disso é a discussão que hoje permeia as mesas de negociações sobre o pagamento de beneficio às populações tradicionais.

Uma corrente, se assim podemos dizer, pensa que qualquer resultado de pesquisa que tenha usado um produto ou que tenha se beneficiado com o conhecimento de uma determinada população, deve recompensar esta população pagando diretamente seus representantes. Mas, como pagar por um conhecimento cuja construção é coletiva? Quem deve ser o beneficiado por um produto, quando muitos contribuíram para que ele chegasse até a atualidade?

Outra posição pensa que o conhecimento não é patenteável uma vez que dificilmente poderá se identificar sua origem, o que se pode fazer é estabelecer critérios para que todos possam ser beneficiados mediante aos resultados produzidos.
Saindo um pouco do campo do direito convencional e tentando mostrar um pouco da realidade de uma população que mora no Parque Nacional do Jaú que recentemente passou por uma pesquisa sobre o pagamento por serviços ambientais (PSA), demostrou claramente que tem consciência que as suas formas de apropriação dos recursos naturais e suas técnicas de trabalho contribuem para a manutenção da biodiversidade. Esta população afirma que deveria ser recompensada por estes serviços, porém assim como as nossas leis, esta não sabe apontar formas de recompensa.

Essa é apenas uma faceta das muitas questões que se apresentam neste campo, porém como incorporar essa discussão de forma mais ampla junto as populações tradicionais? Este é um desafio a todos que entendem a importância das atividades desenvolvidas pelas populações tradicionais.

Bem, essas são apenas algumas dentre as várias discussões que se fazem a esse respeito, observa-se que no Brasil não há nada definido, as leis estão em tramitação e o legislativo não manifesta pressa para resolver a questão. Enquanto isso, nossas fronteiras estão abertas por onde muitos entram e saem levando coisas que talvez nunca venhamos saber, culturas são explorados, conhecimentos milenares são usurpados de sues verdadeiros donos e aqueles que muito contribuíram para sua manutenção, dificilmente serão beneficiados.


Jasylene Pena
Fundação Vitória Amazônia - Cordenadoria Sócio-ambiental