I ENCONTRO DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA DA
REGIÃO NORTE
(I ENCETNO)
"Etnoconservação e ética: dialogando
entre os saberes"
Mesa-redonda: Etnoconservação na Amazônia:
situação atual e perspectivas
Título: Reflexões sobre a evolução
da etnoconservação na Amazônia e sua situação
atual.
Vandick da Silva Batista – Dr. Pesca Interior/UA
Amazônia, 502 anos de degradação ambiental e cultural
que transcorrem de forma lenta, mas também contínua. Esta
continuidade e a velocidade acelerada de degradação são
o elemento diferenciador mais marcante em relação aos impactos
que certamente ocorreram no período pré-colonial. Impactos
ambientais são contingências na sobrevivência e reprodução
de qualquer organismo ou sociedade, porém a magnitude e persistência
destes impactos são elementos que fragilizam a capacidade regenerativa
da natureza, afetando a saúde e o bem estar do próprio homem.
Neste contexto, a situação atual não é nada
satisfatória, observa-se a deculturação de povos
milenares e a transposição de milhares de pessoas para regiões
e ecossistemas para as quais o seu etnoconhecimento não vicejou.
Tais fenômenos levam à transposição de práticas
que embora sejam muitas vezes salutares para o enriquecimento cultural
e de técnicas para a população local, por outro lado
freqüentemente representam o momento crítico de explosão
de processos diversos que fazem ou conduzem à degradação
dos ambientes.
Um das principais elementos da crescente visibilidade da degradação
ambiental está na redução das áreas de mata
virgem e nas mudanças na composição florística
das florestas, campinas e dos campos alagáveis, entre outros. Esta
degradação acelerou a partir da implementação
de atividades antrópicas maciças, tais como a alta taxa
de desmatamento para plantação de juta a partir da década
de 40 e a intensificação da pecuária ocorrida nos
últimos 20 anos, todas aceleradas a partir do uso do fogo como
técnica de limpeza de áreas naturais.
Estes processos de degradação do ambiente terrestre terminam
por gerar impactos sobre os recursos dos ambientes hídricos da
região, ainda abundantes, mas decrescentes. A diminuição
do recurso pesqueiro, principal fonte de proteína animal da população
regional e matéria-prima de uma das atividades econômicas
de maior relevância na região, tem sido acelerada também
por ampliação dos mercados para os produtos amazônicos
e pela introdução de estrutura e técnicas que permitem
a captura maciça de recursos pesqueiros e a formação
de estoques.
Seja com os produtos da floresta ou com as riquezas do ambiente aquático,
a cultura conservacionista, herança dos povos indígenas,
tem sido gradualmente ou abruptamente destruída, a ponto da região
receber atualmente a atenção de programas de educação
ambiental com o propósito até de explicar para o Amazônida
que a natureza é importante para o homem. Saberes óbvios
para quem convive com a floresta, porém saberes gradualmente perdidos
no contato crescente com a cultura ocidental ávida de acumulação
de riquezas e de explorar recursos virgens ou utilizados de forma pouco
intensiva.
Outro elemento importante na degradação da etnoconservação
amazônida está no sub-valorização e empobrecimento
das comunidades ou dos bens comunais (res communes) em prol do enriquecimento
dos individuos ou dos bens privados (res privada????). Enquanto isto,
governos sucessivos em todos os níveis vêem-se paralisados
no efetivo manejo dos recursos, permitindo assim um vácuo no qual
o livre acesso (res nullius) é generalizado e contribuindo, de
fato, para a degradação do ambiente e dos recursos.
Neste processo, observam-se variações nos atuais sistemas
tradicionais de uso dos recursos naturais. Ribeirinhos da várzea
estuarina próxima a Belém-PA, têm redirecionado suas
atividades nos últimos 20 anos, para sistemas agroflorestais direcionados
ao mercado, principalmente para produção de açaí.
Já em outros sistemas se observa maior dedicação
a atividades agrícolas monoespecíficas, seja de árvores
frutíferas, horticultura comercial e pecuária. Em outros,
o extrativismo florestal ou pesqueiro predomina, em alguns casos de forma
oportunista e degradante, mesmo em comunidades indígenas, embora
em outros casos se observe haver clara preocupação com a
sustentabilidade dos recursos. Estas diferentes formas de lidar com o
processo produtivo formam um mosaico de alternativas que se conformam
às realidades locais determinadas por variações ecológicas
e sócio-econômicas, tais como a estrutura da paisagem, o
acesso ao mercado e as tradições culturais locais.
Lamentavelmente, as políticas públicas para uso dos recursos
(se é que são políticas) têm girado em torno
de um simplismo típico do mal conhecedor da Amazônia, o mesmo
que declamava a facilidade de construir estradas cortando a “planície”
Amazonica. Ações governamentais nos diferentes níveis
têm atentado contra a diversidade amazônica em busca da lógica
monoprodutivista do mercado tradicional de grande escala. Esqueceu-se
da riqueza do saber popular, da riqueza de possuir não uma, mas
várias culturas com riquezas muitas vezes ainda incompreensíveis
ou de pouco apelo ao mercado consumidor tradicional, ávido por
bijuterias tecnológicas ou por produtos mutantes ou descartáveis.
Nesta lógica, observamos na Amazônia explicações
para o enriquecimento monopolístico ocorrente no ciclo da borracha,
ou durante a fase da juta/malva. Nunca houve espaço amplo para
o aproveitamento da essência tropical que é a diversidade
de produtos raros, escassos e desejados, sendo por isto valiosos. Esta
falta pode ser considerada como um dos pilares da degradação
da etnoconservação ao longo do período colonial.
Apenas recentemente, se pode identificar o crescimento da etnoconservação
e da valorização da diversidade cultural e ambiental na
região. Curiosamente é através do mercado, o maior
causador da degradação, é que se observa um gradual
crescimento da efetivação das concepções de
conservação que permeiam as sociedades locais. Descobriu-se
que diversidade vende, que cultura vende, que pobreza é ser igual
e ser degradado. Isto ocorre através de uma contra-corrente da
globalização que é representada pela valorização
das identidades locais, das riquezas que podem ser perenizadas porque
elas são queridas e são desejadas. Também porque
gradualmente o Amazônida tem deixado de esconder sua origem, crenças
e gostos com as coisas da terra, com sua identidade indígena, mesmo
quando dança uma dança de índio chamando isto de
boi-bumbá. Valorar sua identidade, seus animais, sua floresta,
seu corpo e seu ambiente cultural são elementos chave para a etnoconservação
poder exercer seu papel tradicional na produção do bem estar
regional e contribuindo para o enriquecimento regional, nacional e mundial
de saberes e produtos variados.
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